#medbikini

Qual é a função da ciência?

Na minha visão das coisas a ciência deve contribuir para a sociedade com informações confiáveis e relevantes. Produzir ciência é requer investimento, de tempo, de dinheiro, de dedicação. 

E me deixa muito triste e revoltada perceber os rumos da nossa ciência, produzindo conteúdo inútil, irrelevante, e que infelizmente é a cara da nossa sociedade. Uma sociedade sexista, elitista e que obedece uma lógica produtivista absurda. 

Na última semana um artigo ganhou bastante notoriedade. Trata-se do "Prevalence of unprofessional social media content among young vascular surgeons". O objetivo do artigo é avaliar a extensão do conteúdo não profissional das mídias sociais entre residentes em cirurgia vascular. E o que seria esse conteúdo não profissional? Varia. E o mais revoltante são os chamados potencialmente não-profissionais, que incluem fotos em redes sociais segurando bebidas alcoólicas ou usando trajes inapropriados. Eu fico tentando imaginar esses cirurgiões criando uma conta fake pra bisbilhotar a vida privada de outros médicos e ainda ter a coragem de publicar. 

Como adepta do lema "baseado em evidencias", pergunto: Qual a relevância desse estudo? Qual a contribuição que ele traz para a sociedade? Para além de reforçar estereótipos.

Falo do estereótipo do médico em um pedestal. Porque o médico é um ser iluminado (no masculino mesmo) que deve viver para o trabalho, viver para salvar vidas e não precisa ter vida pessoal. Não a toa profissionais da saúde tem altas taxas de adoecimento mental.

Sem contar com o sexismo. Porque quando eles falam em uso de "trajes inapropriados" são as mulheres que mais sofrem a pressão social. Tanto que a hashtag que trouxe toda a repercussão negativa para o artigo é #medbikini, junto com o movimento em que médicas e médicos postam fotos exibindo suas posturas ditas inapropriadas, em trajes de banho e com bebidas alcoolicas em punho. Olha, contanto que não esteja bebendo alcool durante o horário do expediente, o que qualquer uma dessas coisas me diz sobre a real competência do profissional?

Em vez de quebrar estereótipos, a produção os reforça. 

Talvez eu não devesse ficar tão espantada. Mas muito me admira que esse tipo de merda consiga passar pela avaliação e consiga espaço para ser publicada numa revista científica. 

É tão ultrapassada essa ideia de que os profissionais precisam seguir um código de conduta moral "apropriado" para o seu cargo. 

Conversei com minha avó sobre isso. E ela me contou que na época em que trabalhava como escrivã no fórum ela passou por isso. Existia um documento que ditava as normas de conduta na vida pessoal dos funcionários. E minha avó já está aposentada há mais de 10 anos.

E já que estamos falando da latrina da produção científica a atual não pensem que esse estudo que citei é uma anomalia. Não. Existe muito conteúdo sexista publicado em plataformas científicas. Uma rápida pesquisa nas plataformas indexadas confirma essa minha afirmação. 

Preciso reforçar a frase de efeito: a minha diversão não anula a minha competência. 

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