Microbiologia, vacinas e registros

Nesse último mês eu estava fazendo um estágio no laboratório do hospital. Estava me sentindo em casa. Sabe, eu amo microbiologia. Acompanhar o crescimento dos microorganismos. Observar como cada agente se apresenta com colônias de cores, formatos, texturas e cheiros diferentes. A microbiologia é linda, eu adoro. Desde a faculdade eu sou fascinada pela microbiologia, e talvez isso tenha pesado para que eu escolhesse me especializar em infectologia.

Estando no estágio do laboratório eu não tinha grandes obrigações, afinal o laboratório não poderia depender de mim para funcionar. Então a princípio eu apenas observava os técnicos trabalhando. Semeando nas placas. Corando lâminas de gram e ziehl. Testando coagulase.... seguindo o dia-a-dia. E até apenas isso já estava sendo bom demais. Tive "sorte" de estar em um mês com muitos achados interessantes, entre criptococos e bactérias multirresistentes. Até que na minha ousadia, com as lembranças da minha época de monitoria de microbiologia, pedi para começar a por a mão na massa.

O trabalho técnico é gostoso demais de fazer. E sabe uma coisa que eu amava? Registrar. Tudo que chega no laboratório precisa ser etiquetado. E as etiquetas tem que ser coladas no livro. E cada tipo de amostra tem um livro diferente. E a cada processamento da amostra os resultados são primeiro escritos no livro para depois serem lançados no sistema. 


criptococcus sp. em coloração de gram
Criptococcus spp. vistos na coloração de gram.
Eu mesma corei e tirei foto do microscópio, tá?

Não sei se você sabe (talvez já tenha notado), mas eu sou viciada em registrar. Me enchia de satisfação em pegar as placas pra repicar e anotar no plástico com a letra bem caprichada: nome completo, registro, tipo de amostra, data do repique. Ou pegar o lápis para escrever com a maior precisão possível numa minúscula lâmina de vidro: iniciais, registro, tipo de amostra, tipo de coloração.

Fora que o processo de coloração das lâminas também é fantástico. É quase uma meditação: passar no fogo para fixar, 1 minuto de violeta genciana, lavar, 1 minuto de lugol, descorar com álcool, 20 segundos de fucsina, tudo bem cronometrado. E os corantes escorrendo pela pia, que já é manchada por camadas e mais camadas de azuis, rosas e violetas.

Nesse mesmo mês eu também estava no CRIE, que é o serviço de referência para imunobiológicos especiais, ou seja, vacinas e afins que são disponíveis no SUS para públicos específicos: pessoas em tratamento oncológico, diabéticas, portadoras do vírus HIV, portadores de asma grave, trabalhadores da saúde... e outros públicos especiais. Prato cheio para uma pessoa que é viciada em registrar.

Tinha que preencher a caderneta do paciente, de caneta as vacinas do dia, de lápis as vacinas programadas para os próximos retornos. No sistema precisava registrar cada vacina, o local de aplicação e o tipo de administração. Algumas pessoas faziam 6 vacinas de uma vez: deltoide direito, deltoide esquerdo, gluteo direito, gluteo esquerdo, vasto lateral direito, vasto lateral esquerdo. Haja grupo muscular. Esse registro gerava um formulário que é enviado a secretaria de saúde para controle. Além disso as vacinas de covid e influenza precisavam ser adicionadas ao sistema do PNI. Ou seja, eram 3 registros em sistemas diferentes, fora o registro do próprio prontuário. 

Tudo bem que repetir a mesma informação tantas vezes e com uma fila de gente na porta pra se vacinar era um pouco estressante. Mas não vou negar que me dava uma ponta de satisfação caprichar na letra pra escrever uma informação tão importante na caderneta das pessoas.

Então é isso. 

A microbiologia é linda. 

Imunobiológicos são lindos. 

E esse mês me esbaldei no meu vício de registrar.


Estranho esse vício. Mas faz sentido. Por eu ainda ter um blog. Por eu ainda escrever em um diário. Por eu achar o notion fantástico. Por eu ter vários cadernos completos e incompletos dos mais variados tamanhos e formatos. 

E por eu gostar de preencher a burocracia no meu trabalho.

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