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Alien azul

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E lá estavam as estrelas, perfeitamente visíveis. Gostaria de saber identificar constelações, parecia ser um céu propício pra deitar na areia da praia, olhar pra cima e dar nome às estrelas. Não deitei na areia, apenas olhei pra cima por um breve instante que pareceu ter durado muito tempo. Mas com certeza não foi uma contemplação demorada, essa é só a impressão que dava diante da atmosfera do festival. Um negócio meio etéreo. Apesar de que eu estava completamente sóbria.  Estava em frente a um dos palcos, rodeada por pessoas várias desconhecidas. Estranhamente confortável no meio da multidão. Tocava um techno que eu nunca havia escutado antes: Era um grupo de músicos instrumentais que tocavam sopro e percussão junto com batidas de música eletrônica. Technobrass. Surreal de bom. Pulava ao som do techno e via a beleza da lua agora já entremeada de nuvens. A banda toca uma música chamada Praia. Propício. Em meio às batidas da música as palhas do coqueiro ao meu lado também começam a danç

Livro | Primeiro eu tive que morrer - Lorena Portela

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A vida é feita de ciclos. Ou de fases. Ou de ondas. Ou de mergulhos. Quando digo isso estou me misturando com o livro. Me misturando com essa história de uma mulher que poderia ser eu. Uma mulher adoecida por uma busca de perfeição profissional. Adoecida por traumas passados. Impedida de viver sua afetividade devido ao medo de repetir os mesmos erros, de recair nas mesmas armadilhas. A protagonista sem nome, a qual acompanhamos nesse romance de estreia de Lorena Portela, é "obrigada" a tirar um período de férias após um burnout. É uma história de cura e redescoberta, que cai em alguns clichês, trata de alguns temas pesados a partir da abordagem do sofrimento psíquico, mas que tem uma narrativa muito leve e gostosa.  A história junta várias mulheres em seus traumas e alegrias. Mulheres diferentes, vindas de diferentes lugares sociais e geográficos, que se curam juntas. Acho bonita a irmandade que se forma num processo de ressignificação da dor sem cair numa romantização desse

Tudo

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Completei um aninho. Dia 30 de novembro foi meu aniversário. Faz um ano que me formei em medicina. Um ano que tenho trabalhado como médica nas emergências e postos de saúde da vida. Faz um ano que minha vida mudou completamente. Que tive que fazer várias escolhas difíceis, das quais não me arrependo. Pelo contrário, me sinto bastante orgulhosa da estrada que me trouxe até aqui. Por tudo. Saí da universidade bem imatura, e tenho aprendido bastante na prática. Tanto com as situações que preciso enfrentar junto com os pacientes, quanto com as dificuldades no trato com as equipes com as quais trabalhei. Passei por tantos lugares aqui no interior para o qual escolhi retornar. O interior me ensinou muito. Me ensinou a ser tudo. Tudóloga. Não tem sido fácil, meus amigos. Me sinto feliz com todas as mudanças que fizeram com que eu me tornasse mais forte. Não vou fingir que tem sido só alegrias. Esse trajeto de 1 ano também tem muita mágoa, ressentimento, raiva e tristeza. Pelas limitações técn

Livro | Almas Fartas - Matheus Tévez e Ruan Passos

Eu tenho uma satisfação enorme em prestigiar o trabalho dos amigos. Já conhecia Ruan Passos de outros carnavais - e são joões também -, e de seu conto "Diário de um quarentenado". Inclusive já iniciamos um projeto juntos que incluía um blog e um canal no youtube de comédia e cultura pop (creia). O projeto não foi pra frente, mas Ruan seguiu em frente. E para a surpresa - porém não muita - de todos se enveredou pela literatura e pela dramaturgia, atuando em espetáculos, inclusive de improviso, e publicando seus contos. Até que "Almas Fartas" surgiu com a parceria com Matheus Tévez. Agora vamos de história.  A sinopse do livro não entrega muita coisa acerca do enredo, dando um ar de mistério à leitura, o que instiga a curiosidade. Trata-se de uma história não linear, e eu adoro esse tipo de história que fornece escopo para a imaginação ir preenchendo as lacunas entre cada lapso temporal. Queremos saber quais foram os fatos que levaram os personagens até aquele ponto j

Diabinho

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Sempre me senti nervosa com a ideia de ter que escrever um texto de agradecimento para pôr no santinho do convite de formatura. Até que chegou o momento de enviar o bendito texto. Inicialmente me ative às generalidades sempre presentes nesse tipo de texto, mas não me senti bem. Não era eu. Me desprendi das expectativas e finalmente consegui escrever algo que fizesse com que eu me sentisse satisfeita. Mas eu tinha direito a apenas 1800 caracteres. Ora, mil e oitocentos caracteres não me pareceram suficientes para escrever tudo o que gostaria, ou agradecer a todos a quem gostaria, ou de manifestar os motivos de minha gratidão. Então me desprendi inclusive da formatação e dos mil e oitocentos caracteres e escrevi tudo o que senti vontade. Quando passei no vestibular, uma amiga me perguntou se eu tinha certeza que faria medicina, já que eu era uma pessoa tão sensível, e a área era supostamente tão fria. Apesar de ter insistido, e de saber das boas intenções do questionamento, essa reflexão

vinte e quatro horas que valeram por pelo menos quarenta e oito

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Ando meio monotemática, eu sei. Mas a vida anda meio monotemática mesmo. Tenho vivido para trabalhar e descansar e trabalhar e descansar. E as vezes nem descanso direito, mas estou a ponto de mudar isso. Hoje vim falar do primeiro plantão do ano, para que eu não me esqueça que se eu consegui suportar aquele dia, eu sou capaz de qualquer coisa. Primeiro de janeiro já é um dia historicamente conturbado nas emergências por aí. Porque o pessoal de férias e em comemoração acaba se envolvendo em acidentes e coisa e tal. Para além disso ainda estamos vivendo um surto de influenza que está lotando os pronto socorros de tudo quando é canto com gente com síndrome gripal. Muita gente com sintomas leves, mas também uma quantidade razoável de gente com sintomas mais preocupantes - principalmente idosos com falta de ar. Justamente por causa dessa maldita gripe a emergências tem contado com um médico extra para dar assistência às pessoas gripadas pelo menos durante metade do plantão. Nesse primeiro d

[silêncio]

Lá estava eu atendendo as dezenas de fichas que recebo no plantão. Eis que no meio da rotina recebo a ficha de um homem jovem com dor de cabeça, sem comorbidades, aparentemente sem sinais de gravidade. Chamei. Enquanto eu questionava e examinava ele,  percebi uma postura diferente e resolvi perguntar de novo se ele tinha alguma doença ou condição de saúde mental.  Era isso. Ele tinha depressão e tinha parado o tratamento por conta própria.  Acolhi o melhor que pude, no tempo que a emergência permite, e então abaixei os olhos para prescrever.  Então ele tocou a minha mão.  Então eu parei o que estava fazendo e olhei nos olhos dele. [silêncio] Por quanto tempo vamos sustentar esse toque e esse silêncio? Deixei que ele decidisse. Eu vi tanta profundidade naquele olhar que me senti desconfortável.  Tanta profundidade que cheguei perto de chorar. Em parte porque senti que também fui vista, e portanto vulnerável.  [silêncio] Ele recolheu a mão. Olhou para baixo. Me dei por satisfeita e conti