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Mostrando postagens de janeiro, 2020

Diário de Interna | Cheiro, lixo e futuro

Geralmente ando pelo hospital junto com minha dupla. Hoje assistimos a uma cirurgia com uso do bisturi elétrico. Ele disse que não daria pra ser cirurgião por conta do cheiro. No que diz respeito ao bisturi elétrico é o Cheiro de carne queimada, carne cortada, coagulada. Mas depois dessa observação dele parei para pensar nos diversos cheiros com os quais nos deparamos no hospital. Cheiro de ferida, pus e sangue. Cheiro de excrementos, carne podre, úlcera. Cheiro de urina concentrada. Cheiros inexplicáveis. Não são cheiros convidativos, exceto pelo cheiro de limpeza. Cheiro de álcool, sabão, clorexidina, assepsia. É bom o cheiro da cura.  Depois que a ferida é desbridada.  Depois da carne morta descartada.  Depois do curativo feito.  *** Hoje eu vi uma perna no lixo. Às vezes nossos pacientes, apesar de terem cheiros, não têm nomes. Às vezes não assisto a cirurgia de Pedro ou de Maria, mas temos ali um apêndice, uma craniectomia qualquer. N

Livro | O sol é para todos (Harper Lee)

Peguei "O sol é para todos" emprestado com um amigo. Ele me indicou e disse que achava que eu iria gostar. Bom, ele deve conhecer bem o meu gosto literário: eu amei. Espero que esse texto consiga mostrar o quanto que eu gostei desse livro. Esse livro é lindo. Fala sobre injustiça, racismo, rótulos sociais, papeis de gênero. Fala sobre a dinâmica social de uma pequena cidade do Alabama na década de 1930. Como núcleo central temos uma família formada por um pai, chamado Atticus, e seus dois filhos, Scout e Jem, ambos ainda crianças. E toda a história é narrada a partir do ponto de vista de Scout, a filha mais nova. Ela é uma garota fora da curva, que gosta de ser criança, de brincar, se aventurar, sem se preocupar em ser a pequena dama que a sociedade espera que ela seja. Eu adorei a forma como a dinâmica familiar foi mostrada, a relação típica dos irmãos entre amores e pequenas brigas, e o jeitão compreensivo e cuidadoso do pai. Atticus é um exemplo moral, e muitas ve

Diário de Interna | Mega intenso

Cheguei no hospital às 8 da manhã e saí pouco mais de 8 da noite. Doze horas. Parece pouco, né? Parece mesmo. Mas diga isso pros meus pés, pernas, costas e pescoço. Será que haverá um diário de interna em que eu não reclame do cansaço? Chegamos na Unidade de Tratamento de Queimados. Um pouco atrasados, é verdade, mas sem problemas: a enfermaria estava apenas com 3 pacientes internados, então a visita seria breve. No dia anterior demos 7 altas. Foi uma verdadeira festa, só risos. Esse 2020 começou muito bem, com tanta gente indo pra casa na primeira semana do ano. Depois de um café da manhã na copa da UTQ, iniciamos nosso dia de trabalho com mais uma alta. Mais alegria, era um paciente que já estava internado há mais de 40 dias por conta de queimaduras nas solas dos pés que tiveram muitas complicações no decorrer do tratamento. Me lembro da semana anterior, ele calçando fraldas, saindo andando o mais rápido que conseguia, tentando fugir da enfermaria. Hoje, finalmente, não precis

Diário de Interna | Cansada, porém satisfeita

Até agora ainda não tivemos uma semana completa no hospital. Fomos interrompidos pelas festas de fim de ano. Que pena que perdemos a oportunidade de estar mais presentes e aprender mais no estágio. Que bom que tivemos esses dias para desanuviar a mente, ver a família e se distrair. Para mim, esse fim de ano foi um momento muito muito importante. Eu precisava disso. Já estive no hospital no dia 25, meu segundo dia. Eu fui sozinha, não era um dia obrigatório. E  entrei numa ala nova - a unidade de tratamento de queimados -, com preceptores que eu já conhecia da universidade, mas que não tinha uma relação muito próxima. Para estar numa área em que nunca estive: a cirurgia plástica, e tendo um seminário, o qual não tive tempo de me preparar, no dia seguinte. Pode parecer que escrevi tudo isso para justificar alguma frustração que tive. Mas não. Meu estágio na plástica, que durou duas semanas e já acabou, foi bom demais. Os preceptores foram incríveis. Ensinaram a mexer no si

Cachoeira, espumante e 2020

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Acordei sem perspectivas de virada de ano. Não sabia como seria minha meia noite. Estava entre a família, no meu braço havia uma pulseira para uma festa rave , mas nenhuma companhia para ir junto. Na praça da cidade sem nenhum requinte de queima de fogos. Passamos o dia na cachoeira Pancada Grande. Muita gente teve a ideia de passar o último dia do ano na cachoeira. A gente tem essa ideia de que a água corrente leva as energias ruins consigo. Foi mágico. Pancada é praticamente quintal de casa, mas fazia bastante tempo que eu não ia lá. Engraçado como às vezes a gente não valoriza o que tem por perto, mas Pancada Grande é um dos lugares mais lindos que conheço. A mata fechada ao redor, o barulho da água anunciando que estamos nos aproximando, as oferendas deixadas na beira do rio, a água fria porém convidativa... Me senti em casa, pisando nas pedras, no limo, na areia. Me deitando na queda dágua e sentindo a água carregar toda a negatividade embora, assim eu pensava. À no