Livro | Mulherzinhas (Louisa May Alcott)


- Não entendo. O que pode haver em uma historinha simples como essa para fazer as pessoas a elogiarem dessa forma? - perguntou-se ela, bastante desnorteada.

Com a citação acima, da personagem Jo, penso que a autora se referia ao sucesso de seu próprio livro. 


A linguagem e forma otimista com que esse livro foi escrito, com finais felizes, resolução de conflitos, tudo bem fofo e perfeitinho era exatemente o tipo de livro de conforto que eu estava precisando no momento em que li. Mas reconheço que não é o estilo com o qual estou acostumada a ler. E o fato dele parecer tão "inofensivo" é explicado, inclusive, pelo contexto em que foi escrito.

Comecemos então discutindo sobre o título: no original Little Women pode ser traduzido literalmente como Mulherzinhas, mas a escolha para a adaptação cinematográfica foi Adoráveis Mulheres, o que creio que transmite bem a ideia do livro. Nossa língua portuguesa é um tanto sexista, e "Mulherzinhas" soa pejorativo, vulgar ou em tom de menosprezo. Mesmo podendo ler o nome nesse tom, acredito que funciona, pois a contraposição da expectativa por algo negativo é colocada por meio da grande valorização do papel feminino na sociedade estadunidense do século XIX.

Trata-se da história das irmãs March, quatro mulherzinhas que vivem com mãe enquanto o pai está lutando na guerra civil. A família March já viveu dias melhores, mas as dificuldades vão sendo dribladas com todo o amor dessa relação familiar. As quatro irmãs - Meg, Jo, Beth e Amy - acabam criando um laço fraterno com Laurie, vizinho solitário, e figurinha carimbada nas aventuras da turma. Aqui temos todo o drama familiar com direito a fofocas, mal entendidos, e com a guerra civil estadunidense como pano de fundo. Temos a rebeldia de Jo contrabalanceada pela modéstia e bondade de Beth, a delicadeza e dedicação de Meg, e o senso estético e desejo de ascensão social de Amy. Tudo isso entremeado por lições morais e superação de desafios, bem como o enaltecimento da figura feminina na sociedade, seja ela como dona de casa ou não.

- Não se feche em uma caixa de costura apenas porque é uma mulher; entenda o que está acontecendo, e aprenda a ter seu papel na maquina do mundo, pois tudo isso afeta você e os seus.

A história não é escancaradamente feminista, e nem escancaradamente rebelde ou algo assim. Fala sobre dramas domésticos, vida em família, maternidade, amizade e amadurecimento. Sempre sempre sempre num caráter meio que de fábula moral apoiado em conceitos cristãos, bíblicos, protestantes. E mesmo assim o discurso fala mais sobre liberdade (principalmente a feminina) do que qualquer outra coisa. Claro que a moda francesa era colocar uma fitinha azul nos meninos e uma fitinha rosa nas meninas. Mas o discurso de Alcott em 1868 era mais moderno que o de muitas Damares do século XXI.

O contexto histórico é bastante importante. Alcott foi vanguardista ao passo em que naquela época o feminismo era apenas um protótipo. As personagens do livro são inspiradas na própria família Alcott, cabendo a Jo representar a autora do livro. E apesar das quatro irmãs dividirem espaço no livro, Jo acaba se tornando o maior destaque por sua personalidade subversiva. Ela prefere as brincadeiras de meninos, não liga para a moda feminina, e tem como maior objetivo de vida se tornar uma grande escritora. Não tem como não ligar à própria autora, que com o lançamento desse livro obteve grande sucesso, e logo num seguimento literário que não era muito a praia dela (literatura para meninas), e num mercado editorial poquíssimo explorado, porque, supostamente, o público alvo não se mostrava tão interessado em livros.

A primeira edição de Mulherzinhas em 1868 fez tanto sucesso que a autora publicou no ano seguinte uma continuação: Boas Esposas, que explora a vida das quatro irmãs já na idade adulta. Apesar do título "Boas Esposas", Alcott fala bastante sobre o casamento não ser sinônimo de felicidade para a mulher, e que não há problema em ser uma "solteirona". A versão que li faz o compilado de Mulherzinhas e Boas Esposas em um único volume, como parte 1 e 2 do mesmo livro. Indico a leitura desta versão, pois assim é possível ver o amadurecimento das nossas protagonistas. Depois disso Alcott continuou escrevendo sobre a família March, mas essas duas primeiras partes foram as que fizeram mais sucesso.

A versão que eu li foi a ilustrada e comentada. Se eu não tivesse os comentários para ler conseguiria compreender a história tranquilamente, mas certas questões culturais e históricas foram bem interessantes para a leitura. Fora que as ilustrações eram bem lindas e eu imaginava que fossem todas de autoria de Amy, a artista visual da família. 

Esse é um livro clássico da cultura estadunidense, há muito o que se falar sobre ele. Prova disso são as tantas adaptações dessa história cativante para o cinema e menções a ele em outras obras. Recomendo a leitura, se, assim como eu, você estiver precisando de uma leitura para esquentar o coração.

Agora eu te entendo, Joe.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro | Os sete maridos de Evelyn Hugo (Taylor Jenkins Reid)

Livro | Almas Fartas - Matheus Tévez e Ruan Passos

Alien azul