Diário de Interna | Unidade de Terapia Intensiva #2

Quando estudamos saúde mental aprendemos sobre alguns tipos de contenção. Podemos fazer uma contenção psicológica, contenção humana, contenção por vínculo, dentre outras possibilidades. Mas as contenções clássicas são a física e a farmacológica. Física quando você precisa usar a força e geralmente precisa amarrar o paciente, e farmacológica quando é necessário fazer uso de algum medicamento que tenha efeito sedativo; algo que acalme. 

Por vezes é necessário. 

Imagine você, do nada acordando e percebendo que tem um tubo dentro da sua boca, que você está de fralda em um lugar desconhecido e tem vários fios colados no seu peito. Você não sabe onde está, não sabe o que aconteceu e nem quem são essas pessoas a sua volta. Seu primeiro impulso é arrancar tudo. Arrancar o tubo no seu nariz, os fios do seu peito, o tubo da sua garganta. Correndo o risco de piorar sua situação de saúde.

Se esses tubos todos forem desconectados, imagina o sufoco para fazer uma nova intubação, pegar um novo acesso central, introduzir uma nova sonda nasogástrica... não dá. Infelizmente a contenção é necessária. 

Mas existem aqueles pacientes que já estão ali a tanto tempo, que todas as equipes já conhecem. As equipes são muitas, mudam a cada 12 ou 24 horas. É preciso, e é assim em todo o hospital, afinal, a vigilância é constante mas o ser humano precisa de uma folga. Para nós, estagiários, que estávamos lá todos os dias era difícil lembrar do nome de todos da equipe, nos primeiros dias, rostos desconhecidos a cada manhã. A gente acaba sendo uma espécie de âncora, enquanto o estágio durar, estaremos lá como uma referência fixa, lembrando de qualquer coisa que possa ter sido esquecida no telefone sem fio das passagens de plantão.

Para os pacientes que já estão ali a tanto tempo, que todas as equipes já conhecem, há uma relação mais profunda de confiança. O paciente, por meio de gestos, reclama que o tubo incomoda. O médico explica, que não tem jeito, é por ali que ele está respirando, não dá pra tirar. O paciente então reclama da contenção no pulso. E eu imagino que seja mesmo um grande desconforto. A UTI é um grande desconforto. Os monitores apitando porque a pressão de alguém caiu demais, ou subiu demais, ou a alteração é na saturação, ou alguma  arritmia. Ou então é o alarme da bomba de infusão que está indicando  algum problema com o fluxo do medicamento. Uma verdadeira rave de pi pi pis e tu tu tus. Até você descobrir qual dos tantos pacientes está com algum problema, ir até lá, e resolver.

- Se eu desamarrar esse braço você vai tentar tirar o tubo?
Acena que não com a cabeça. E o médico desamarra.

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