Livro | O sol na cabeça



Geovani Martins é um autor jovem e negro que amplia a voz da literatura marginal, quando em seus contos, nos revela de um forma íntima aspectos cotidianos da vida no morro. É super importante que jovens, como Geovani encontrem espaço no mercado literário, afinal a literatura pode ser um meio bastante elitista.

Todas as histórias compartilham um eu lírico masculino, em sua maioria jovem, e se passam nas favelas do Rio de Janeiro. O que confere uma cara de inspiração auto-biográfica na obra. Os personagens principais de cada conto tem personalidades bastante diferentes, mas todos estão em busca do seu lugar no mundo. Seja questionando a lógica desigual das classes sociais e ultrapassando esses limites impostos socialmente. Seja reforçando a sua masculinidade usando armas como acessórios. Buscando um amadurecimento com o trabalho, ou buscando conforto para a solidão. Dentro das favelas nos esbarramos em papos profundos regados a fumaça de maconha, bem como reflexões indignadas sobre a perversa lógica discriminatória e elitista proporcionada pelo racismo estrutural. 

A partir desse livro pude me aproximar, nem que seja um pouco, da vivência do pichador, do maconheiro da periferia, da criança que tem medo da macumbeira da rua, do rapaz que leva baculejo e se sente injustiçado pela postura da polícia. Isso foi impactante para mim, compartilhar das nóias, das angústias e do ódio, Geovani me fez sentir isso. Ao mesmo tempo em que, em certos contos, fala de esperança, de amor e companheirismo.

A linguagem merece um certo destaque também. O primeiro conto, "Rolézim", traz uma narrativa com uso excessivo de gírias. Isso não me incomodou, pelo contrário, creio que nos faça mergulhar mais na realidade vivenciada por aqueles jovens. Imaginei que essa linguagem dominaria o livro, porém nos contos seguintes vemos a versatilidade do autor, quando sua dose coloquialidade varia de acordo com o conto. Mas o ápice é em "O rabisco", quando na história do pichador Fernando, os diálogos assumem uma linguagem super diferente da utilizada nas demais partes do próprio conto, fazendo um mix de as duas formas de linguagem utilizadas pelo autor.

Mas vou abrir destaque para o meu preferido: "Espiral". Esse conto é muito envolvente. Ele cria uma atmosfera de suspense e brinca com nossas expectativas enquanto nos joga ótimas reflexões sobre os limites bem ou mal delimitados entre a elite e a ralé. E se difere dos outros por quebrar a regra do corriqueiro. Não entenda mal. Eu amo narrativas do cotidiano que trazem uma graça a mais para o que é comum. Mas na contramão dos outros contos esse me parece trazer um elemento a mais, algo do além do que imaginaríamos do protagonista. 

Como esperado para um livro de contos, vou gostar mais de um do que de outros. Mas a leitura era sempre muito fluida, bem como sempre havia algum elemento - a quebra da expectativa, o anseio pela continuidade, os sentimentos despertados - que tornasse aquele conto especial.

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