[silêncio]

Lá estava eu atendendo as dezenas de fichas que recebo no plantão. Eis que no meio da rotina recebo a ficha de um homem jovem com dor de cabeça, sem comorbidades, aparentemente sem sinais de gravidade. Chamei. Enquanto eu questionava e examinava ele,  percebi uma postura diferente e resolvi perguntar de novo se ele tinha alguma doença ou condição de saúde mental. 
Era isso. Ele tinha depressão e tinha parado o tratamento por conta própria. 
Acolhi o melhor que pude, no tempo que a emergência permite, e então abaixei os olhos para prescrever. 

Então ele tocou a minha mão. 
Então eu parei o que estava fazendo e olhei nos olhos dele.

[silêncio]

Por quanto tempo vamos sustentar esse toque e esse silêncio? Deixei que ele decidisse.
Eu vi tanta profundidade naquele olhar que me senti desconfortável. 
Tanta profundidade que cheguei perto de chorar. Em parte porque senti que também fui vista, e portanto vulnerável. 

[silêncio]

Ele recolheu a mão. Olhou para baixo.
Me dei por satisfeita e continuei a escrever.

Ao fim da consulta ele agradeceu. Encaminhei para um cuidado continuado que eu não teria condições de oferecer ali. 
Confiei no sistema. E recebi mais uma lição sobre o silêncio. 

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