Livro | Torto Arado (Itamar Vieira Junior)

Nossa, esse livro me marcou demais.

A foto que inspira a foto é do fotógrafo Giovanni Marrozini

Rolando o feed do skoob vi a capa desse livro - que é uma releitura da fotografia acima -, e achei tão linda que prendeu minha atenção, acrescentei à minha lista de leitura e cá estou eu apaixonada. Quando foi a última vez que um livro me capturou tanto? Juntou tudo, sabe? E se encaixou perfeitamente nos meus afetos.

Primeiro porque a história se passa na região da Chapada, aqui na Bahia. É onde meu avô mora, é onde eu tenho um laço afetivo forte. É onde eu descobri o que é o sertão. É um território que conheço e amo. Onde as pessoas tem um senso de comunidade diferente, compartilham as frutas que dão de sobra no quintal, incorporam as roças ao dia a dia, mesmo morando na cidade.

Segundo que vivo em um ambiente muito marcado por religiões de matriz africana. E graças ao livro conheci mais uma, o Jarê, o qual nunca tinha ouvido falar - e traz símbolos indígenas, africanos e católicos - , mas que se assemelha ao Candomblé, presente na minha vida, principalmente pela influencia da minha mãe. 

Meu pai olhava para mim e dizia "o vento não sopra, ele é a própria viração" e tudo aquilo fazia sentido. "Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida", ele tentava me ensinar.

Em "Torto Arado", nos é apresentada a vida de duas irmãs, Belonísia e Bibiana, que nascem daquela terra, a ela pertencem. As duas são intimamente ligadas pelo laço de sangue, tanto o que corre em suas veias, quanto pelo derramado em uma tragédia. A partir daí a gente vê a grande sensibilidade de Itamar em narrar a história a partir do ponto de vista delas, trazendo elementos poéticos até, de como uma se completa com a outra. Até chegar ao ponto em que você não sabe onde Bibiana termina e Belonísia começa, apesar delas terem suas individualidades, que no decorrer da leitura vão ficando muito mais evidentes.

O que já contei já vale a leitura. Mas tem mais. As duas irmãs fazem parte de uma família de trabalhadores rurais, que, bem como outras tantas famílias dali, vivem em uma terra que lhes pertence - afinal é lá onde enterram seus umbigos, criam família e tiram o sustento -, mas não lhes pertence, porque no papel, a terra tem dono. Um dono que não se envolve com a roça, um dono que não os permite construir casa de alvenaria - suas casas precisam ser de taipa, não podem ser bens duráveis. Um dono que não paga salário a trabalhadores, mas espera que eles sejam gratos por ele ter cedido aquele pedaço de terra. É a nova cara da escravidão.

É muito lindo o sentimento de pertencimento à terra. É lindo o que os une, a preservação dos ritos, símbolos e costumes. O Jarê dita o ambiente em que a história se passa. Através da liderança religiosa de Zeca Chapéu Grande, que herdou as obrigações de curador da sua mãe Donana. E com os conhecimentos ancestrais sobre os encantados, as ervas e rezas, cuida daquela gente.

Bibiana e Belonísia tem personalidades e perspectivas de vida bastante diferentes. Mas ambas são mulheres fortes, donas de si. Que sofrem e vivem com intensidade suas escolhas. Que assim como as outras mulheres de Água Negra, nasceram e pariram aquela terra.

Fui parida, mas também pari esta terra. Sabe o que é parir? A senhora teve filhos. Mas sabe o que é parir? Alimentar e tirar uma vida de você? (...) Esta terra mora em mim.
É uma história sobre herança e destino. 
Pertencimento e revolta. 
Injustiça e luta. 
Raça, gênero e classe. 

Me marcou demais.

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