Livro | Vox (Christina Dalcher)

Comecei a ler "Vox" despretenciosamente, bem no meio do fim do meu semestre letivo. Sinceramente, estou tendo uma dificuldade para finalizar minhas leituras. Tenho demorado bastante com cada livro, mas também tenho me aventurado em obras não-ficcionais, mais teóricas, o que eu tinha uma certa resistência no passado, mas estou desconstruindo essa barreira aos poucos. Eu estava aqui de boas, faz tempo que não escrevo no blog (mas estou sempre retornando), até que eu li um capítulo que me apunhalou profundamente. E então eu quis aproveitar o embalo e escrever logo. Nem terminei de ler ainda, por isso vou deixar esse texto nos rascunhos, e quando eu terminar eu volto. 

Sobre "Vox", deixe-me dar um pouco de contexto: o livro tem como protagonista a Doutora Jean McClellan, que narra sua experiência em uma realidade na qual as mulheres foram silenciadas. Literalmente. Nos EUA, todas as mulheres tem braceletes com contadores de palavras, e cada uma só pode falar 100 palavras por dia. Toda a lógica social se "desinverte", as mulheres são obrigadas a abandonar seus postos de trabalho e se voltar para uma vida doméstica.

Christina Dalcher, a autora, claramente bebe da fonte de Margareth Artwood e George Orwell (impossível não comparar), e cria essa distopia incrível e assustadora. Digo assustadora porque ela demonstra várias questões que vivemos atualmente. Desde posicionamentos do governo a pequenas ações do dia-a-dia que mostram o silenciamento simbólico que as mulheres sofrem. Achei incrível essa metáfora da voz/vox. 

Já era de se esperar, até mesmo pela formação de linguista da autora Christina Dalcher, que a questão da linguagem aparecesse o tempo todo durante a leitura das mais diversas formas que ela poderia ser vista.

A protagonista é linguista e pesquisadora, cujo o objeto de trabalho é a afasia (perda total ou parcial da fala ou compreensão da linguagem). Irônico uma mulher tão ativa e respeitada academicamente estar discutindo a sua própria afasia, que diferentemente de seus pacientes não é por conta de um distúrbio neurológico, mas devido à organização política de um movimento superconservador (hello conto da aia). Ou ainda nos constantes flashbacks da personagem com diálogos com sua amiga feminista/ativista da época de faculdade, que desde então já alertava sobre os rumos que a política estava tomando. 

É bizarro perceber discursos no livro que condizem demais com o que temos visto atualmente. É assustador por isso. Por parecer um cenário muito extremo, mas ainda assim algo que condiz com a realidade. Muitos temas precisam ser escancarados de uma forma extrema pra que a gente entenda a gravidade. Exagerar uma situação para que consigamos extrapolar a reflexão para nossa realidade.

Outra coisa assustadora no livro é a forma como a memória é curta. As novas gerações aprendem muito fácil as novas normas. As crianças se adaptam, os adolescentes se transformam. Já que as mulheres estão silenciadas, impotentes, vigiadas, aprisionadas, sem forças. 

Foi uma leitura bastante fluida, e além do pano de fundo, que já apresentei aqui, diversas outras questões como a maternidade, moralidade e papeis sociais permeiam a estruturação dessa sociedade. Vox traz de forma bastante literal o silenciamento feminino e com isso nos remete a importantes discussões relativas ao papel de gênero.

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