Livro | Medicina dos Horrores - Lindsey Fitzharris

O livro original, escrito por Lindsey Fitzharris é entitulado "The Butchering Art", que poderia ser traduzido como "A arte do açougueiro", ou algo assim. Se tratando de um livro que conta sobre a história da cirurgia, e foi publicado no Brasil com o título "Medicina dos Horrores", já se imagina o tipo de histórias bizarras que compõem a publicação.

Lindsey é doutora em história da ciência e da medicina pela Universidade de Oxford. Até vi no perfil dela do instagram (que vale muito a pena seguir) que ela está preparando um livro sobre a história da cirurgia plástica. Enquanto você lê, pela riqueza de exemplos e detalhes, além da fartura de notas e referências, fica evidente a pesquisa primorosa que ela se deu ao trabalho de realizar.

O título não é exagerado. A medicina limpa e asséptica de hoje se deve a muitos anos de horrores, técnicas repulsivas, anti-éticas e anti-higiênicas. A medicina nos obriga a lidar com dejetos e secreções repugnantes, mas nada disso se compara às salas de dissecação nas aulas de anatomia, e aos anfiteatros que exibiam cirurgias como se fossem um espetáculo durante o século XIX.

A clínica de Gross, tela de Thomas Eakins, citada no livro, retrata Samuel D. Gross, um dos principais críticos de Lister, em meio a uma cirurgia nada higiênica.

A clínica de Agnew, tela do mesmo autor, foi pintada em 1889, depois que a técnica antisséptica de Lister se tornou popular, bem como o uso de jalecos brancos

O livro é uma biografia de Joseph Lister, figura marcante que revolucionou a medicina. O texto se inicia com a descoberta de métodos anestésicos efetivos, o que por si só já foi uma grande revolução para a cirurgia, visto que a dor do paciente era um enorme limitante para realização de cirurgias maiores. Nesse período a cirurgia era dissociada da medicina, era vista como uma prática menor, muito mais voltada para a prática do que para o aperfeiçoamento teórico.

Apesar do ganho com a anestesia, os cirurgiões ainda se deparavam com muitas limitações, principalmente as infecções hospitalares, que eram o terror dos hospitais. A mortalidade pós operatória ocasionada por essas infecções fazia com que fosse mais seguro operar na residência do paciente do que numa "casa de morte", como eram conhecidos os hospitais.

A partir desse contexto surge Joseph Lister, aspirante a cirurgião, e portava como herança de seu pai  a curiosidade científica. Joseph Jackson, pai de Lister, era outro revolucionário que trouxe grandes contribuições para o uso do microscópio. Aparelho este, que acompanhou Lister por seus experimentos e descobertas posteriores.

Dessa forma acompanhamos a ascensão de Lister, trazendo um método científico complexo, o que era incomum no meio médico (a medicina não era vista de forma científica). Por conta de sua visão revolucionária, que viria a trazer uma grande contribuição para as técnicas de antissepsia no futuro, ele foi muito atacado por cirurgiões mais conservadores. Fato este que rendeu discussões calorosas, muitas delas propagadas pela então revista científica The Lancet, numa baixaria que mais parecia os youtubers de fofoca de hoje em dia.

"Uma nova e grande descoberta científica sempre tende a deixar muitas baixas, entre as reputações dos que foram defensores de um método mais antigo"

Além de tudo, em um meio em que o distanciamento clínico era por vezes desumanizante, Lister exibia um nível de empatia admirável por seus pacientes. Mais um aspecto pelo qual eu admiro essa figura tão importante para a história da medicina. Eu como estudante de medicina vejo tudo isso de forma amedrontadora (meu Deus, eu preciso fazer algo para marcar meu nome na história), ao mesmo tempo encorajadora, pois traz inspiração para a relação médico paciente, e para não se conformar com os problemas da prática. Lister enxergou um problema, e não descansou até encontrar a sua solução, em maio a grandes mestres e colegas que o apoiavam, e outros tantos que não iam com a cara dele.

Essa narrativa já é riquíssima e super interessante. E Lindsey desenrola a história de forma envolvente, trazendo muitos casos clínicos, tirados de anotações pessoais de cirurgiões, reportagens da época, e publicações de revistas científicas. Mas tudo de forma muito fluida e bem narrada. Essas histórias paralelas humanizam tanto os pacientes quanto os médicos e cirurgiões, nos aproximando da história. Fora que é maravilhoso ver os contemporâneos de Lister, figuras igualmente incríveis, como Louis Pasteur e Florence Nightingale interagindo com nosso protagonista. Terminei de ler bem emocionada (mas isso não é muita novidade se tratando de mim, típica canceriana).

Lindsey Fitzharris sempre nos apresenta curiosidades e fatos interessantes. O que vemos hoje na medicina é tão natural ao nosso cotidiano. É incrível acompanhar a história e perceber o que nos trouxe até aqui. E para ter um gostinho a Intrínseca publicou em seu blog o post "Quatro histórias macabras que estão em Medicina dos Horrores".

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