Livro | Almas Fartas - Matheus Tévez e Ruan Passos

Eu tenho uma satisfação enorme em prestigiar o trabalho dos amigos. Já conhecia Ruan Passos de outros carnavais - e são joões também -, e de seu conto "Diário de um quarentenado". Inclusive já iniciamos um projeto juntos que incluía um blog e um canal no youtube de comédia e cultura pop (creia). O projeto não foi pra frente, mas Ruan seguiu em frente. E para a surpresa - porém não muita - de todos se enveredou pela literatura e pela dramaturgia, atuando em espetáculos, inclusive de improviso, e publicando seus contos. Até que "Almas Fartas" surgiu com a parceria com Matheus Tévez.

Agora vamos de história. 

A sinopse do livro não entrega muita coisa acerca do enredo, dando um ar de mistério à leitura, o que instiga a curiosidade. Trata-se de uma história não linear, e eu adoro esse tipo de história que fornece escopo para a imaginação ir preenchendo as lacunas entre cada lapso temporal. Queremos saber quais foram os fatos que levaram os personagens até aquele ponto já conhecido. 

A princípio, não vou negar, fiquei confusa, mas me desprendi da necessidade de controlar a história (e compreender cada palavra) e simplesmente me deixei levar. Inclusive, essa foi uma dica dada pelo próprio narrador, que permanece como nosso parceiro na narrativa. Ele se mostra como um expectador "imparcial", e na realidade você realmente pode até acreditar no que ele diz, ou interpretar suas  observações como irônicas, ficando sem saber de qual lado da história ele está. Existem capítulos apenas para que o narrador conte sobre suas impressões a respeito do desenvolvimento da história, sendo ele próprio um personagem intrigante. A cada capítulo exclusivo do narrador eu me sentia mais próxima dos autores. Minha impressão é que talvez esses capítulos fossem fruto da preocupação deles em validarem suas escolhas narrativas, criando um espaço de diálogo direto com o leitor.

Almas Fartas conta a história dos Albuquerques (e agregados). Eles que são a típica família tradicional (hipócrita) brasileira: um protótipo - incluindo os empregados que "fazem parte" da família. De forma clara vemos racismo e elitismo, bem como "subversão" de valores cristãos, para que se enquadrem nas mais vis vontades do ser humano. A história que a princípio pode parecer caricata, na verdade vai se desprendendo num enredo bem elaborado e final extremamente satisfatório. E a impressão de caricatura se justifica por estar sendo trabalhado um núcleo de personagens que me parecem tão esdrúxulos, por serem membros de uma família de elite com a qual não consigo me identificar. 

Ao mesmo tempo, os personagens parecem extremamente reais justamente por conta de suas falhas. Essas brechas os colocam em uma zona cinza, nem cem por cento bons ou ruins, trazendo justificativas para as atitudes duvidosas (aceite você ou não). 

Apesar dos temas pesados, há um contrabalanço, principalmente por causa do tom leve com pitadas de humor trazido e pela forma como a história é conduzida. Vale a pena se enveredar pelos segredos obscuros da família Albuquerque.

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